Sono e exercício físico: qual a relação?
- Henrique Dumay

- 2 de set.
- 6 min de leitura
Dificilmente você nunca deve ter ouvido alguém lhe dizer que o exercício físico é importante para o sono, mas você já se perguntou como isso acontece? Hoje vamos bater um papo sobre três pilares da nossa saúde que, apesar de parecerem distintos, mostram-se perfeitamente sincronizados: o sono, o exercício físico e a variabilidade da frequência cardíaca (VFC). Se você nunca ouviu falar nesse último, não se preocupe! Ao final deste texto, você não apenas entenderá o que é, mas também vai querer saber como anda a sua.

Um coração que dança no ritmo certo: o que é a Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC)?
Você sabia que um coração saudável não bate como um relógio suíço, com intervalos perfeitamente iguais entre cada batida? Pelo contrário! Um coração saudável é um coração "flexível", que acelera e desacelera sutilmente a cada momento. Essa pequena variação no tempo entre os batimentos cardíacos é o que chamamos de Variabilidade da Frequência Cardíaca, ou VFC.
Mas por que essa "bagunça organizada" é importante? A VFC é um excelente termômetro de como anda o seu Sistema Nervoso Autônomo (SNA). Pense no SNA como o piloto automático do seu corpo, controlando funções vitais como a respiração, a pressão arterial e, claro, os batimentos cardíacos. Ele tem dois "modos" principais:
1. Modo Simpático (o "acelerador"): É o famoso sistema de "luta ou fuga". Ele entra em ação quando você está sob estresse, se exercitando ou precisa ficar alerta. O coração acelera, a pressão sobe... o corpo está pronto para a ação!.
2. Modo Parassimpático (o "freio"): É o sistema de "relaxar e digerir". Ele domina quando estamos calmos e descansados, promovendo a recuperação do corpo.
Uma VFC alta geralmente indica que seu corpo está sabendo usar bem o "freio", ou seja, que o sistema parassimpático está no comando. Isso é um sinal de boa saúde, resiliência ao estresse e boa capacidade de recuperação. Já uma VFC baixa, que pode ser causada por fatores como estresse, má nutrição ou sono insuficiente, pode sinalizar que o "acelerador" está sempre acionado, indicando fadiga ou até mesmo um risco aumentado para problemas de saúde.
O exercício entra em cena: amigo (ou inimigo) do sono?
Todos sabemos que o exercício é fundamental para a saúde, mas por muito tempo a recomendação clássica era evitar atividades físicas à noite para não atrapalhar o sono. Felizmente, a ciência tem refinado essa visão e hoje entendemos que, com a dose e o timing certos, o exercício pode ser um dos melhores remédios naturais para dormir bem.
Uma revisão sistemática de diversos estudos revelou que a prática crônica de exercícios resistidos (como a musculação) melhora todos os aspectos do sono, com o maior benefício sendo percebido na qualidade do sono. Outra análise, focada em adultos com problemas de sono, mostrou que programas de exercício aeróbico de intensidade moderada (como caminhada, corrida leve ou Tai Chi) também melhoram significativamente a qualidade do sono, diminuem o tempo para adormecer (latência do sono) e reduzem a necessidade de medicação para dormir. Mas como isso acontece? Os mecanismos são complexos e envolvem uma série de benefícios fisiológicos e psicológicos:
• Regulação da temperatura corporal: O exercício eleva a temperatura do corpo. A queda de temperatura que ocorre após o treino pode sinalizar ao cérebro que é hora de dormir, facilitando o início do sono.
• Aumento do gasto energético: O exercício aumenta a demanda metabólica, o que pode levar a um sono mais profundo e restaurador para recuperar a energia gasta.
• Efeitos Psicológicos: A prática regular de exercícios melhora o humor e reduz sintomas de ansiedade e depressão, fatores que estão diretamente ligados à insônia e a uma noite mal dormida.
• Regulação Circadiana: A atividade física, especialmente quando praticada regularmente, pode ajudar a fortalecer nosso relógio biológico, ajustando os ciclos de sono e vigília.

No entanto, para colher esses benefícios, o equilíbrio é a chave. Exercícios físicos, especialmente os de alta intensidade, ativam nosso sistema simpático (o acelerador). Após o treino, nosso corpo precisa de um tempo para a reativação parassimpática, ou seja, para que o "freio" volte a assumir o controle. É aqui que o timing e a intensidade fazem toda a diferença.
Um estudo com quase 15 mil pessoas mostrou uma clara relação de dose-resposta: Exercícios leves a moderados feitos mais de 2 horas antes de dormir não atrapalham, e podem até melhorar o sono. Já exercícios muito intensos e próximos da hora de dormir podem atrasar o início do sono, encurtar sua duração, piorar a qualidade e manter a frequência cardíaca e a VFC em estado de alerta durante a noite. A regra de ouro, portanto, é: tente finalizar seus treinos mais pesados pelo menos 4 horas antes do seu horário habitual de dormir. Se o único horário que você tem é à noite, não se desespere! Opte por atividades de intensidade leve a moderada.
A magia da recuperação: o papel do sono
Se o exercício é o estímulo, o sono é o momento em que a mágica da recuperação e do fortalecimento acontece. Uma noite bem dormida é fundamental para a recuperação física e mental do atleta. É durante o sono, especialmente nas fases de ondas lentas (o sono profundo), que o corpo se dedica ao anabolismo, liberando o hormônio do crescimento (GH) para reparar tecidos e fortalecer os músculos. Uma noite mal dormida pode ter consequências diretas no seu desempenho e saúde:
• Redução da performance: A falta de sono pode diminuir as reservas de glicogênio muscular, fazendo você se cansar mais rápido.
• Aumento do risco de lesões: Um estudo mostrou que adolescentes que dormem menos de 8 horas por noite têm 1,7 vezes mais chances de se lesionarem. A falta de sono pode ser um fator preditor de lesões musculoesqueléticas.
• Prejuízo cognitivo: O sono é vital para a consolidação da memória e para funções como tomada de decisão e coordenação motora, essenciais em qualquer esporte.
• Saúde mental: A privação de sono afeta negativamente o humor, gerando irritabilidade, instabilidade emocional e até mesmo sintomas de ansiedade e depressão.
Juntando tudo!
Agora podemos entender como esses três elementos se conectam:
1. Exercício no horário e na intensidade certos estimula o corpo, mas permite tempo suficiente para a recuperação do Sistema Nervoso Autônomo (ou seja, o "freio" parassimpático volta a funcionar).
2. Essa recuperação adequada, refletida em uma VFC saudável, facilita o início e a manutenção de um sono de boa qualidade.
3. Um sono reparador promove a recuperação muscular, restaura a função cognitiva e equilibra os hormônios, deixando você mais preparado e com mais energia para o próximo dia – e para o próximo treino.

Por outro lado, o ciclo vicioso também existe: treinar muito tarde e com alta intensidade, consumir estimulantes como a cafeína, ou simplesmente não respeitar os limites do corpo pode manter seu sistema em estado de alerta (VFC baixa), dificultando o sono. O consumo de cafeína antes do exercício atrasa a recuperação da frequência cardíaca, da pressão arterial e da VFC. A noite mal dormida prejudica a recuperação, aumenta o risco de lesões e afeta seu humor e desempenho no dia seguinte.
Vamos colocar tudo isso em prática?
• Monitore seu corpo: Fique atento aos sinais. Sentir-se constantemente cansado, irritado ou ver seu desempenho cair podem ser indícios de que a recuperação não está adequada. Ferramentas que medem a VFC, hoje disponíveis em muitos relógios, podem ser um ótimo guia para entender quando você está pronto para um treino intenso ou quando é melhor pegar leve.
• Crie um "ritual do sono": Cerca de uma hora antes de deitar, comece a desacelerar. Evite telas de celulares e TVs (a luz azul inibe a melatonina, o hormônio do sono), tome um banho morno, leia um livro ou ouça uma música calma. A meditação guiada pode ser uma excelente alternativa!
• Respeite o relógio: Tente manter horários regulares para dormir e acordar, mesmo nos fins de semana. Isso ajuda a sincronizar seu relógio biológico.
• Cuidado com a noite: Evite refeições pesadas, álcool e, principalmente, cafeína nas horas que antecedem o sono.
Entender a relação entre exercício, sono e a variabilidade da sua frequência cardíaca é uma ferramenta poderosa para cuidar da sua saúde física e mental. Lembre-se: não se trata apenas de treinar mais, mas de treinar e recuperar de forma mais inteligente.

Comentários